quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

 APRESENTAÇÃO


Vila Velha é a cidade mais antiga do Estado do Espírito Santo. Sua

criação data de 23 de maio de 1535, por Vasco Fernandes Coutinho.

Era domingo consagrado pela Igreja ao Espírito Santo, daí a denominação

inicial de Vila do Espírito Santo. A ocupação inicial do território

foi muito difícil devido à resistência dos índios Tapuias, Goytacases e

Tupinikins que o habitavam. Em 1537, Vasco Fernandes Coutinho doa

a Duarte de Lemos a Ilha de Santo Antônio que recebeu o nome de

Vila Nova do Espírito Santo, depois Vila da Vitória. Nessa época houve

uma mudança estratégica para a Ilha da Vitória, por segurança da

população, e assim essa nova povoação tornou-se a capital da Província.

Ao longo dos primeiros séculos, a Vila Velha ficou à sombra da

capital e a maior parte da população foi para Vitória.

O município foi criado pela Constituição Estadual de 1890 e teve

sua instalação em 30 de novembro de 1896. O seu porto e a Estrada

de Ferro Vitória-Minas eram os equipamentos principais para desenvolvimento

do Espírito Santo. A construção da ponte Florentino Avidos

e a modernização do Porto de Vitória iniciaram, para Vila Velha, um

período de estagnação econômica e, conseqüentemente, atrofia urbana.

O vai-e-vem entre a Vila no continente e a ilha de Vitória passou

a fazer parte do cotidiano dos moradores da antiga Vila Velha. Tudo

era em Vitória, o centro político, administrativo e econômico.

A Vila do Espírito Santo, como era chamada Vila Velha, de 1916 até

1948, ficou como distrito incorporado ao município de Vitória e teve

pouca ocupação do solo. Uma mudança significativa aconteceu apenas

na década de 70/80 com a implantação dos conjuntos habitacionais

como apoio ao processo de industrialização da capital. No início

da década de 80, com apoio técnico do Instituto Jones dos Santos Neves,

a prefeitura municipal elaborou a legislação sobre parcelamento

do solo, a Lei 1980/81.

Em meados da década de 80, com a real possibilidade de inauguração

da 3ª Ponte ligando Vitória a Vila Velha (1989), houve uma

intensa ocupação na região da orla da Praia da Costa e, em 1990, foi

aprovado o Plano Diretor Urbano, lei 2.621/90. Em 2006, foi apresentado

à Câmara, através do Projeto de Lei 034/2006, um Plano Diretor

Municipal.


Alguns elementos estruturantes do solo urbano tais como a estrutura

fundiária do território, a construção civil, os ciclos econômicos e as

obras públicas, de certa forma, condicionam o processo de produção

do espaço urbano e direcionaram a ocupação e o uso do solo. Assim,

pretende-se compreender em que medida a formulação destas legislações

urbanísticas e ambientais no município poderia ser configurada

enquanto um pacto urbano que veio regular o parcelamento, o uso e

a ocupação do solo ou somente legitimar o processo de especulação

imobiliária. Esse pacto emerge das articulações políticas entre as forças

sociais da sociedade civil organizada, os agentes econômicos e os

representantes políticos como reação ao intenso processo de urbanização

do município ou como forma de consolidar as potencialidades

de uma indústria da construção civil emergente.


Assim a dissertação pretende levantar e sistematizar as legislações

urbanísticas e ambientais de modo que possibilitem comparativos entre

as históricas transformações na ocupação do solo urbano e a instituição

de um pacto socioambiental, bem como sua importância no

processo do planejamento urbano em Vila Velha.


Desse modo, a dissertação discute três questões principais, quais

sejam:

1- As legislações urbanísticas e ambientais podem ser consideradas

enquanto um pacto socioambiental?

2 - Qual a importância do patrimônio histórico e ambiental para a

instituição de um imaginário da cidade no pacto socioambiental?

3 - Em que medida este pacto socioambiental em Vila Velha / ES

consolidou instrumentos de planejamento urbano?

Os objetivos gerais buscados no caminho para tentar responder

aos questionamentos foram:


Mostrar as legislações urbanísticas e ambientais que se constituem

enquanto um pacto socioambiental na transformação e produção do

território.


Identificar os principais elementos do planejamento urbano no

pacto socioambiental, bem como sua importância no processo de um

desenvolvimento da cidade.


Analisar os parcelamentos e as ocupações do solo no município

de Vila Velha relacionando-os com a legislação urbanística e com as

principais intervenções na cidade.


Apontar no pacto socioambiental um imaginário da cidade através

da preservação de seu patrimônio histórico e ambiental.


Os objetivos específicos, em certa medida como conseqüência dos

mencionados anteriormente, foram:


Apontar as intervenções urbanas relacionando as ações administrativas

com as legislações de cada período, em nível local de governo,

que funcionaram como elementos estruturantes do espaço ou potencias

vetores no processo de ocupação do território de Vila Velha / ES.


Demonstrar como a legislação urbanística e ambiental, em seu contexto

histórico, serve como fundamento de um pacto socioambiental

de manutenção de um imaginário da cidade, bem como, sua evolução

influencia na preservação do patrimônio histórico e paisagístico no

planejamento de Vila Velha.


A dissertação aborda brevemente o processo político na discussão

das legislações urbanísticas e ambientais, notadamente na repactuação

do plano diretor municipal em 2006/2008. As questões de regulação

do parcelamento, uso e ocupação do território como condição

essencial da produção mundial integrada1 não conseguem aglutinar

os movimentos populares, no entanto os elementos fundamentais de

um imaginário provocam reações, intensos debates e polêmicas. A

importância do tema proposto se justifica enquanto modo de repensar

o processo político do planejamento urbano como um pacto socioambiental

e que tem como base a preservação do patrimônio histórico e

ambiental como legitimação de um imaginário da cidade, possibilitando

instrumentos que viabilizem uma cidade com identidade cultural e

qualidade de vida.


No Capítulo I - O pacto socioambiental e o imaginário da cidade:

planejamento urbano como lei - é apresentada uma discussão sobre

os princípios fundamentais da organização social e o rebatimento

dessa forma de sociabilidade, ou urbanidade, no território da cidade.

Serão abordados, brevemente, os pensamentos políticos clássicos

em diversos autores, bem como a concepção moderna, esta fundamentada

principalmente no pensamento de Norberto Bobbio. Assim,

neste contexto, o planejamento urbano será configurado enquanto

uma ação política e governamental, um processo que cristaliza as forças

sociais dominantes em determinado momento histórico e político,

qual seja, o da elaboração das leis. Será apresentado o conceito de

instituição da cidade como fundamento para uma espécie de contrato

socioespacial em uma consolidação das forças políticas naquele momento

histórico. Esta concepção irá preparar o terreno para análise

da legislação urbanística e ambiental como instrumento de pactuação

socioambiental da vida urbana. Será discutido um conceito de imaginário

da cidade como uma cartografia simbólica da memória coletiva,

da identidade cultural e de um fazer histórico no espaço-tempo urbano.


E, desse modo, as legislações urbanísticas e ambientais serão

consideradas fatos socioespaciais.

Com esse entendimento serão estudados:


1- Os processos de criação de uma narrativa do urbanismo e do

planejamento urbano;


2 - O arcabouço jurídico do planejamento como lei em um pacto

socioambiental;


3 - A elaboração dos Planos Diretores Municipais como legitimação

do planejamento das cidades.


Será comentado o direito urbanístico e o planejamento com base

no Estatuto das Cidades que, em certa medida como marco jurídico

referencial, ancora as questões fundamentais dos planos urbanísticos

e do processo de elaboração dos Planos Diretores Municipais (PDM’s).

Pretende-se, com este estudo do direito urbano, resgatar a idéia de

um pacto como condição necessária de existência da cidade e ainda

a necessidade de identificar sujeitos políticos legitimamente constituídos

como agentes na elaboração e formatação final desse consenso

minimamente construído num processo democrático.


No capítulo II, - Direito e avesso urbanos: planejamento urbano

e a lei em Vila Velha -, a dissertação apresentará uma breve reflexão

sobre a estruturação espacial da região metropolitana da Grande

Vitória e sobre a ocupação do território de Vila Velha, bem como

sua função metropolitana. Esse capítulo apresentará as legislações

urbanísticas e ambientais de Vila Velha, no período de 1948 a 2008,

quando o município assume suas características político-administrativas

modernas. Desse modo, com um quadro sistematizado dessas

legislações, buscar-se-ão uma categorização e uma tipificação desses

pactos socioambientais, através do registro de sua legitimação, bem

como uma evolução e consolidação dessas normas de meio ambiente,

de planejamento urbano, de desenvolvimento econômico e de gestão

da cidade. A estruturação do território da cidade com seu parcelamento,

ocupação e uso, quer seja pelas ações governamentais em

infra-estrutura urbana ou pelas aprovações de leis e decretos dos

loteamentos, configurando uma “cidade legal” em contraponto à “cidade

ilegal” dos assentamentos subnormais e clandestinos. Mostrará

o descompasso entre a lei e a realidade urbana, ou seja, o direito e

o avesso da cidade e estabelecerá um paralelo entre a história da legislação

urbanística e ambiental do município com o contexto político

brasileiro e seus marcos jurídico-legais. Procurar-se-á compreender

em que medida as leis evidenciaram nuances das narrativas históricas

do urbanismo e do planejamento com a identificação dos principais

elementos espaciais informacionais paisagísticos e históricos que

compõem o imaginário da cidade.


No capítulo III, O imaginário da cidade e os elementos espaciais

de interesse paisagístico, do patrimônio histórico e cultural nos pactos

socioambientais de Vila Velha, procurar-se-á uma interface entre

o projeto de lei do PDM apresentado pelo Executivo, o PL 034/06, e

sua comparação com outras legislações precedentes e com o plano de

1990, bem como as alterações no âmbito do Legislativo municipal na

configuração final deste novo pacto socioambiental. Será analisado o

Projeto de Lei de Revisão do PDM encaminhado pela Prefeitura Municipal

à Câmara Municipal e que instituiria um novo Plano, comparando-

o com a revisão do Plano Diretor Urbano de 1990 e repactuação

socioespacial. Isto pode ser depreendido pela evolução da legislação

para preservar o patrimônio paisagístico e histórico. Alguns desses

elementos espaciais reforçam uma identidade cultural e mobilizam

a sociedade na sua defesa, como o Convento da Penha, o morro do

Moreno, Sítio Inhoá e da reserva ecológica de Jacarenema.


Nesse Capítulo III, apontar-se-ão no PDM de 2008 os avanços que

a participação popular no planejamento, desenvolvimento e gestão

da cidade garantiram alguma preservação do imaginário. A partir das

discussões e audiências públicas, seguindo o ritual legislativo, o Projeto

de Lei nº 034/06 que instituía um novo plano diretor municipal

sofreu diversas modificações e melhoramentos que podem indicar

tentativas de repactuação das forças políticas e econômicas que atuam

no município, bem como apontar interferências na aprovação final

da lei em função dos conflitos e das forças políticas ou econômicas

que conformam os elementos estruturantes do território e a resistência

para manter o patrimônio paisagístico e histórico que compõem o

imaginário da cidade de Vila Velha. O momento final desse processo

é a efetiva transformação do discurso do urbanismo em lei do Plano

Diretor Municipal, configurado enquanto princípios, diretrizes, zoneamentos,

índices urbanísticos, instrumentos de proteção ambiental e

de preservação do patrimônio cultural e ambiental que representa-

riam um pacto socioambiental da sociedade canela-verde2.


O Capítulo IV, À guisa de conclusão, a pesquisa trata dos instrumentos

de planejamento da cidade incorporados ou consolidados na

legislação urbanística e ambiental de Vila Velha, usando-se como base

as leis municipais precedentes em comparação ao PDM de 2008. O

novo pacto socioambiental passa a ter mais do que um mero papel

regulador de uso e ocupação do solo, mas passa a ser um agente norteador

do processo político de planejamento participativo e de gestão

democrática da cidade e mantenedor de um imaginário. O desafio

contemporâneo está em um crescente processo de globalização do

território local e as resistências de um imaginário da cidade. Este

trabalho pretende ser apenas o equacionamento de algumas dessas

questões para futuras reflexões e polêmicas.


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