APRESENTAÇÃO
Vila Velha é a cidade mais antiga do Estado do Espírito Santo. Sua
criação data de 23 de maio de 1535, por Vasco Fernandes Coutinho.
Era domingo consagrado pela Igreja ao Espírito Santo, daí a denominação
inicial de Vila do Espírito Santo. A ocupação inicial do território
foi muito difícil devido à resistência dos índios Tapuias, Goytacases e
Tupinikins que o habitavam. Em 1537, Vasco Fernandes Coutinho doa
a Duarte de Lemos a Ilha de Santo Antônio que recebeu o nome de
Vila Nova do Espírito Santo, depois Vila da Vitória. Nessa época houve
uma mudança estratégica para a Ilha da Vitória, por segurança da
população, e assim essa nova povoação tornou-se a capital da Província.
Ao longo dos primeiros séculos, a Vila Velha ficou à sombra da
capital e a maior parte da população foi para Vitória.
O município foi criado pela Constituição Estadual de 1890 e teve
sua instalação em 30 de novembro de 1896. O seu porto e a Estrada
de Ferro Vitória-Minas eram os equipamentos principais para desenvolvimento
do Espírito Santo. A construção da ponte Florentino Avidos
e a modernização do Porto de Vitória iniciaram, para Vila Velha, um
período de estagnação econômica e, conseqüentemente, atrofia urbana.
O vai-e-vem entre a Vila no continente e a ilha de Vitória passou
a fazer parte do cotidiano dos moradores da antiga Vila Velha. Tudo
era em Vitória, o centro político, administrativo e econômico.
A Vila do Espírito Santo, como era chamada Vila Velha, de 1916 até
1948, ficou como distrito incorporado ao município de Vitória e teve
pouca ocupação do solo. Uma mudança significativa aconteceu apenas
na década de 70/80 com a implantação dos conjuntos habitacionais
como apoio ao processo de industrialização da capital. No início
da década de 80, com apoio técnico do Instituto Jones dos Santos Neves,
a prefeitura municipal elaborou a legislação sobre parcelamento
do solo, a Lei 1980/81.
Em meados da década de 80, com a real possibilidade de inauguração
da 3ª Ponte ligando Vitória a Vila Velha (1989), houve uma
intensa ocupação na região da orla da Praia da Costa e, em 1990, foi
aprovado o Plano Diretor Urbano, lei 2.621/90. Em 2006, foi apresentado
à Câmara, através do Projeto de Lei 034/2006, um Plano Diretor
Municipal.
Alguns elementos estruturantes do solo urbano tais como a estrutura
fundiária do território, a construção civil, os ciclos econômicos e as
obras públicas, de certa forma, condicionam o processo de produção
do espaço urbano e direcionaram a ocupação e o uso do solo. Assim,
pretende-se compreender em que medida a formulação destas legislações
urbanísticas e ambientais no município poderia ser configurada
enquanto um pacto urbano que veio regular o parcelamento, o uso e
a ocupação do solo ou somente legitimar o processo de especulação
imobiliária. Esse pacto emerge das articulações políticas entre as forças
sociais da sociedade civil organizada, os agentes econômicos e os
representantes políticos como reação ao intenso processo de urbanização
do município ou como forma de consolidar as potencialidades
de uma indústria da construção civil emergente.
Assim a dissertação pretende levantar e sistematizar as legislações
urbanísticas e ambientais de modo que possibilitem comparativos entre
as históricas transformações na ocupação do solo urbano e a instituição
de um pacto socioambiental, bem como sua importância no
processo do planejamento urbano em Vila Velha.
Desse modo, a dissertação discute três questões principais, quais
sejam:
1- As legislações urbanísticas e ambientais podem ser consideradas
enquanto um pacto socioambiental?
2 - Qual a importância do patrimônio histórico e ambiental para a
instituição de um imaginário da cidade no pacto socioambiental?
3 - Em que medida este pacto socioambiental em Vila Velha / ES
consolidou instrumentos de planejamento urbano?
Os objetivos gerais buscados no caminho para tentar responder
aos questionamentos foram:
Mostrar as legislações urbanísticas e ambientais que se constituem
enquanto um pacto socioambiental na transformação e produção do
território.
Identificar os principais elementos do planejamento urbano no
pacto socioambiental, bem como sua importância no processo de um
desenvolvimento da cidade.
Analisar os parcelamentos e as ocupações do solo no município
de Vila Velha relacionando-os com a legislação urbanística e com as
principais intervenções na cidade.
Apontar no pacto socioambiental um imaginário da cidade através
da preservação de seu patrimônio histórico e ambiental.
Os objetivos específicos, em certa medida como conseqüência dos
mencionados anteriormente, foram:
Apontar as intervenções urbanas relacionando as ações administrativas
com as legislações de cada período, em nível local de governo,
que funcionaram como elementos estruturantes do espaço ou potencias
vetores no processo de ocupação do território de Vila Velha / ES.
Demonstrar como a legislação urbanística e ambiental, em seu contexto
histórico, serve como fundamento de um pacto socioambiental
de manutenção de um imaginário da cidade, bem como, sua evolução
influencia na preservação do patrimônio histórico e paisagístico no
planejamento de Vila Velha.
A dissertação aborda brevemente o processo político na discussão
das legislações urbanísticas e ambientais, notadamente na repactuação
do plano diretor municipal em 2006/2008. As questões de regulação
do parcelamento, uso e ocupação do território como condição
essencial da produção mundial integrada1 não conseguem aglutinar
os movimentos populares, no entanto os elementos fundamentais de
um imaginário provocam reações, intensos debates e polêmicas. A
importância do tema proposto se justifica enquanto modo de repensar
o processo político do planejamento urbano como um pacto socioambiental
e que tem como base a preservação do patrimônio histórico e
ambiental como legitimação de um imaginário da cidade, possibilitando
instrumentos que viabilizem uma cidade com identidade cultural e
qualidade de vida.
No Capítulo I - O pacto socioambiental e o imaginário da cidade:
planejamento urbano como lei - é apresentada uma discussão sobre
os princípios fundamentais da organização social e o rebatimento
dessa forma de sociabilidade, ou urbanidade, no território da cidade.
Serão abordados, brevemente, os pensamentos políticos clássicos
em diversos autores, bem como a concepção moderna, esta fundamentada
principalmente no pensamento de Norberto Bobbio. Assim,
neste contexto, o planejamento urbano será configurado enquanto
uma ação política e governamental, um processo que cristaliza as forças
sociais dominantes em determinado momento histórico e político,
qual seja, o da elaboração das leis. Será apresentado o conceito de
instituição da cidade como fundamento para uma espécie de contrato
socioespacial em uma consolidação das forças políticas naquele momento
histórico. Esta concepção irá preparar o terreno para análise
da legislação urbanística e ambiental como instrumento de pactuação
socioambiental da vida urbana. Será discutido um conceito de imaginário
da cidade como uma cartografia simbólica da memória coletiva,
da identidade cultural e de um fazer histórico no espaço-tempo urbano.
E, desse modo, as legislações urbanísticas e ambientais serão
consideradas fatos socioespaciais.
Com esse entendimento serão estudados:
1- Os processos de criação de uma narrativa do urbanismo e do
planejamento urbano;
2 - O arcabouço jurídico do planejamento como lei em um pacto
socioambiental;
3 - A elaboração dos Planos Diretores Municipais como legitimação
do planejamento das cidades.
Será comentado o direito urbanístico e o planejamento com base
no Estatuto das Cidades que, em certa medida como marco jurídico
referencial, ancora as questões fundamentais dos planos urbanísticos
e do processo de elaboração dos Planos Diretores Municipais (PDM’s).
Pretende-se, com este estudo do direito urbano, resgatar a idéia de
um pacto como condição necessária de existência da cidade e ainda
a necessidade de identificar sujeitos políticos legitimamente constituídos
como agentes na elaboração e formatação final desse consenso
minimamente construído num processo democrático.
No capítulo II, - Direito e avesso urbanos: planejamento urbano
e a lei em Vila Velha -, a dissertação apresentará uma breve reflexão
sobre a estruturação espacial da região metropolitana da Grande
Vitória e sobre a ocupação do território de Vila Velha, bem como
sua função metropolitana. Esse capítulo apresentará as legislações
urbanísticas e ambientais de Vila Velha, no período de 1948 a 2008,
quando o município assume suas características político-administrativas
modernas. Desse modo, com um quadro sistematizado dessas
legislações, buscar-se-ão uma categorização e uma tipificação desses
pactos socioambientais, através do registro de sua legitimação, bem
como uma evolução e consolidação dessas normas de meio ambiente,
de planejamento urbano, de desenvolvimento econômico e de gestão
da cidade. A estruturação do território da cidade com seu parcelamento,
ocupação e uso, quer seja pelas ações governamentais em
infra-estrutura urbana ou pelas aprovações de leis e decretos dos
loteamentos, configurando uma “cidade legal” em contraponto à “cidade
ilegal” dos assentamentos subnormais e clandestinos. Mostrará
o descompasso entre a lei e a realidade urbana, ou seja, o direito e
o avesso da cidade e estabelecerá um paralelo entre a história da legislação
urbanística e ambiental do município com o contexto político
brasileiro e seus marcos jurídico-legais. Procurar-se-á compreender
em que medida as leis evidenciaram nuances das narrativas históricas
do urbanismo e do planejamento com a identificação dos principais
elementos espaciais informacionais paisagísticos e históricos que
compõem o imaginário da cidade.
No capítulo III, O imaginário da cidade e os elementos espaciais
de interesse paisagístico, do patrimônio histórico e cultural nos pactos
socioambientais de Vila Velha, procurar-se-á uma interface entre
o projeto de lei do PDM apresentado pelo Executivo, o PL 034/06, e
sua comparação com outras legislações precedentes e com o plano de
1990, bem como as alterações no âmbito do Legislativo municipal na
configuração final deste novo pacto socioambiental. Será analisado o
Projeto de Lei de Revisão do PDM encaminhado pela Prefeitura Municipal
à Câmara Municipal e que instituiria um novo Plano, comparando-
o com a revisão do Plano Diretor Urbano de 1990 e repactuação
socioespacial. Isto pode ser depreendido pela evolução da legislação
para preservar o patrimônio paisagístico e histórico. Alguns desses
elementos espaciais reforçam uma identidade cultural e mobilizam
a sociedade na sua defesa, como o Convento da Penha, o morro do
Moreno, Sítio Inhoá e da reserva ecológica de Jacarenema.
Nesse Capítulo III, apontar-se-ão no PDM de 2008 os avanços que
a participação popular no planejamento, desenvolvimento e gestão
da cidade garantiram alguma preservação do imaginário. A partir das
discussões e audiências públicas, seguindo o ritual legislativo, o Projeto
de Lei nº 034/06 que instituía um novo plano diretor municipal
sofreu diversas modificações e melhoramentos que podem indicar
tentativas de repactuação das forças políticas e econômicas que atuam
no município, bem como apontar interferências na aprovação final
da lei em função dos conflitos e das forças políticas ou econômicas
que conformam os elementos estruturantes do território e a resistência
para manter o patrimônio paisagístico e histórico que compõem o
imaginário da cidade de Vila Velha. O momento final desse processo
é a efetiva transformação do discurso do urbanismo em lei do Plano
Diretor Municipal, configurado enquanto princípios, diretrizes, zoneamentos,
índices urbanísticos, instrumentos de proteção ambiental e
de preservação do patrimônio cultural e ambiental que representa-
riam um pacto socioambiental da sociedade canela-verde2.
O Capítulo IV, À guisa de conclusão, a pesquisa trata dos instrumentos
de planejamento da cidade incorporados ou consolidados na
legislação urbanística e ambiental de Vila Velha, usando-se como base
as leis municipais precedentes em comparação ao PDM de 2008. O
novo pacto socioambiental passa a ter mais do que um mero papel
regulador de uso e ocupação do solo, mas passa a ser um agente norteador
do processo político de planejamento participativo e de gestão
democrática da cidade e mantenedor de um imaginário. O desafio
contemporâneo está em um crescente processo de globalização do
território local e as resistências de um imaginário da cidade. Este
trabalho pretende ser apenas o equacionamento de algumas dessas
questões para futuras reflexões e polêmicas.
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