quinta-feira, 20 de abril de 2017

CIDADE ROUBADA


As cidades brasileiras foram pilhadas desde tempos imemoriais. Mas isso se intensificou a partir do processo de urbanização surgido a partir da década de 70/80 do século passado. A situação da desordem urbana foi acirrada por inúmeras ocupações irregulares, clandestinas e invasões de terras sem nenhuma ação do poder público. Por outro lado, os donos de latifúndios e terras urbanas se aproveitaram da incapacidade ou conivência das prefeituras para lucrar mais promovendo essas ocupações irregulares.
Hoje em dia a ocupação do solo urbano tornou-se um caso criminoso de apropriação indébita do patrimônio de todos. A cidade tem suas terras públicas roubadas cotidianamente pela especulação imobiliária com a cumplicidades das prefeituras e a omissão do Ministério Público. Isso acontece com o descumprimento da Lei Federal n. 6766/79, da Lei Estadual do parcelamento do solo e dos Planos Diretores dos Municípios, na medida em que essas legislações estabelecem os percentuais mínimos para áreas públicas de lazer (Praças, parques e áreas verdes), áreas públicas de equipamentos urbanos (como terrenos para escolas, creches, hospitais, delegacias e postos de saúde), além das áreas públicas para avenidas, rotatórias e ruas largas.
Assim, a discussão ambiental fica desfocada, na medida em que exige das prefeituras proibir ocupações de áreas da cidade com o discurso de preservação do verde, mas não colocam a questão das áreas legalmente definidas na lei do parcelamento do solo urbano para praças e parques. Também a questão das demandas comunitárias por equipamentos, tipo creches, escolas e postos de saúde, camufla a falta de terrenos que a lei obrigatoriamente exige dos proprietários de terras urbanas para parcelar. E ainda, o debate da mobilidade urbana não toca nesse assunto dos percentuais de áreas para as vias que não são deixadas nos loteamentos ou desmembramentos de glebas da cidade. Isso é uma forma de fugir da verdadeira causa do problema que é a falta de vias largas, avenidas e interligação de bairros da cidade.
A causa da falta de áreas verdes, praças e parques, bem como a inexistência de terrenos para construir creches, escolas e postos de saúde é o descumprimento das legislações que exigem essas áreas públicas na cidade.
Como atuam essas máfias nas prefeituras?
Existem várias formas de atuação. Uma delas é com um loteamento já aprovado a muitos anos, mas não implantado, ou seja, o loteador não abriu as ruas e nem demarcou as áreas de praças e equipamentos urbanos definidos no decreto de aprovação. Desse modo o loteador, junto com um funcionário público comparsa dentro do cadastro imobiliário municipal, inscreve parte dessa gleba já loteada como se fosse um outro terreno comum. Assim, todas as áreas de ruas e praças dentro dessa parte do loteamento simplesmente somem, desaparecem. Mas o loteador as reincorpora, isto é, se apropria de parte das áreas públicas com a conivência do cadastro municipal. Depois disso, o loteador requer da própria prefeitura um novo decreto de desmembramento dessa área sem repassar vias e áreas públicas. O setor que analisa o desmembramento, conivente, não verifica as informações sobre loteamentos anteriores, porque já tem uma inscrição oficial do cadastro municipal. Dessa forma a “nova área” é “legalizada” pela própria administração municipal com a apropriação indébita para o loteador dessas áreas públicas. Depois, com a participação de Cartórios de registro de imóveis finalizam a farsa com uma nova escritura desse terreno, sem que o cartório verifique se existem outros registros de loteamentos anteriores na mesma área.
Outra forma de atuação das máfias dos cadastros municipal é aceitar novas vias abertas sem leis e decretos oficiais. Apenas inscrevem uma atividade urbana em um terreno, tipo um galpão de marcenaria, com frente para uma rua que afirmam existir na região. Depois, com essas informações do cadastro municipal, o dono da terra requer um desmembramento do terreno sem precisar abrir ruas ou deixar áreas públicas. A prefeitura aprova o desmembramento em novo decreto e assim seguem para o registro no cartório, sem qualquer verificação. Dessa forma, também desaparecem as áreas públicas exigidas nas leis Federal, Estadual e Municipal.
Essas são, sinteticamente, apenas algumas formas de burlar a legislação para roubar o patrimônio público. O prejuízo da população é imenso, pois além de ter suas áreas roubadas por especuladores urbanos com a cumplicidade das prefeituras, ainda pagam uma segunda vez quando a administração desapropria terrenos para construção de creches, escolas ou aberturas de vias pagas recursos dos impostos. E ainda tem de viver em uma cidade com vias estranguladas e obstaculizadas sem mobilidade urbana. Com bairros sem terrenos para construção de escolas, creches ou postos de saúde e com serviços públicos deficientes. Ou sem praças e parques para o lazer e convivência social. Dessa associação perniciosa entre o especulador imobiliário e uma administração municipal cúmplice forma-se uma organização criminosa que prejudica a população e a qualidade de vida subtraindo das cidades os espaços públicos.

Apenas com uma atuação eficiente de fiscalização das Promotorias Municipais de Urbanismo do Ministério Público Estadual poder-se-ia estancar esse verdadeiro roubo da cidade e da cidadania.

* Ilustração Amarildo, em A Gazeta.

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