CIDADE ROUBADA
As cidades
brasileiras foram pilhadas desde tempos imemoriais. Mas isso se intensificou a
partir do processo de urbanização surgido a partir da década de 70/80 do século
passado. A situação da desordem urbana foi acirrada por inúmeras ocupações
irregulares, clandestinas e invasões de terras sem nenhuma ação do poder
público. Por outro lado, os donos de latifúndios e terras urbanas se
aproveitaram da incapacidade ou conivência das prefeituras para lucrar mais
promovendo essas ocupações irregulares.
Hoje em dia a
ocupação do solo urbano tornou-se um caso criminoso de apropriação indébita do
patrimônio de todos. A cidade tem suas terras públicas roubadas cotidianamente
pela especulação imobiliária com a cumplicidades das prefeituras e a omissão do
Ministério Público. Isso acontece com o descumprimento da Lei Federal n.
6766/79, da Lei Estadual do parcelamento do solo e dos Planos Diretores dos
Municípios, na medida em que essas legislações estabelecem os percentuais
mínimos para áreas públicas de lazer (Praças, parques e áreas verdes), áreas
públicas de equipamentos urbanos (como terrenos para escolas, creches,
hospitais, delegacias e postos de saúde), além das áreas públicas para
avenidas, rotatórias e ruas largas.
Assim, a discussão
ambiental fica desfocada, na medida em que exige das prefeituras proibir
ocupações de áreas da cidade com o discurso de preservação do verde, mas não
colocam a questão das áreas legalmente definidas na lei do parcelamento do solo
urbano para praças e parques. Também a questão das demandas comunitárias por
equipamentos, tipo creches, escolas e postos de saúde, camufla a falta de
terrenos que a lei obrigatoriamente exige dos proprietários de terras urbanas
para parcelar. E ainda, o debate da mobilidade urbana não toca nesse assunto
dos percentuais de áreas para as vias que não são deixadas nos loteamentos ou
desmembramentos de glebas da cidade. Isso é uma forma de fugir da verdadeira
causa do problema que é a falta de vias largas, avenidas e interligação de
bairros da cidade.
A causa da falta
de áreas verdes, praças e parques, bem como a inexistência de terrenos para
construir creches, escolas e postos de saúde é o descumprimento das legislações
que exigem essas áreas públicas na cidade.
Como atuam essas
máfias nas prefeituras?
Existem várias
formas de atuação. Uma delas é com um loteamento já aprovado a muitos anos, mas
não implantado, ou seja, o loteador não abriu as ruas e nem demarcou as áreas
de praças e equipamentos urbanos definidos no decreto de aprovação. Desse modo
o loteador, junto com um funcionário público comparsa dentro do cadastro
imobiliário municipal, inscreve parte dessa gleba já loteada como se fosse um outro
terreno comum. Assim, todas as áreas de ruas e praças dentro dessa parte do
loteamento simplesmente somem, desaparecem. Mas o loteador as reincorpora, isto
é, se apropria de parte das áreas públicas com a conivência do cadastro
municipal. Depois disso, o loteador requer da própria prefeitura um novo
decreto de desmembramento dessa área sem repassar vias e áreas públicas. O
setor que analisa o desmembramento, conivente, não verifica as informações
sobre loteamentos anteriores, porque já tem uma inscrição oficial do cadastro
municipal. Dessa forma a “nova área” é “legalizada” pela própria administração
municipal com a apropriação indébita para o loteador dessas áreas públicas.
Depois, com a participação de Cartórios de registro de imóveis finalizam a
farsa com uma nova escritura desse terreno, sem que o cartório verifique se
existem outros registros de loteamentos anteriores na mesma área.
Outra forma de
atuação das máfias dos cadastros municipal é aceitar novas vias abertas sem
leis e decretos oficiais. Apenas inscrevem uma atividade urbana em um terreno,
tipo um galpão de marcenaria, com frente para uma rua que afirmam existir na
região. Depois, com essas informações do cadastro municipal, o dono da terra
requer um desmembramento do terreno sem precisar abrir ruas ou deixar áreas
públicas. A prefeitura aprova o desmembramento em novo decreto e assim seguem
para o registro no cartório, sem qualquer verificação. Dessa forma, também
desaparecem as áreas públicas exigidas nas leis Federal, Estadual e Municipal.
Essas são,
sinteticamente, apenas algumas formas de burlar a legislação para roubar o
patrimônio público. O prejuízo da população é imenso, pois além de ter suas
áreas roubadas por especuladores urbanos com a cumplicidade das prefeituras,
ainda pagam uma segunda vez quando a administração desapropria terrenos para
construção de creches, escolas ou aberturas de vias pagas recursos dos
impostos. E ainda tem de viver em uma cidade com vias estranguladas e
obstaculizadas sem mobilidade urbana. Com bairros sem terrenos para construção
de escolas, creches ou postos de saúde e com serviços públicos deficientes. Ou
sem praças e parques para o lazer e convivência social. Dessa associação
perniciosa entre o especulador imobiliário e uma administração municipal
cúmplice forma-se uma organização criminosa que prejudica a população e a
qualidade de vida subtraindo das cidades os espaços públicos.
Apenas com uma
atuação eficiente de fiscalização das Promotorias Municipais de Urbanismo do
Ministério Público Estadual poder-se-ia estancar esse verdadeiro roubo da
cidade e da cidadania.
* Ilustração Amarildo, em A Gazeta.
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